Como integrar a sustentabilidade no treinamento empresarial

Como integrar a sustentabilidade no treinamento empresarial

A simples observação das precárias condições de Segurança e Saúde no trabalho e da falta de cuidados com o meio ambiente mostra que, prevalece no país, uma cultura pobre em Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS), fato que compromete a sustentabilidade das atividades humanas nos diversos segmentos produtivos nacionais. Tradicionalmente, o treinamento técnico empresarial está voltado para capacitar os empregados nos aspectos técnicos das operações e atividades da organização, sem uma abordagem apropriada das questões de SMS e sustentabilidade a elas relacionadas.


Sustentabilidade pode ser definida como uma característica ou condição de um processo ou de um sistema que permite a sua permanência, em certo nível, por um determinado prazo. Em anos recentes, o conceito tornou-se um princípio, segundo o qual o uso dos recursos naturais para a satisfação de necessidades presentes não pode comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras. O conceito de sustentabilidade foi consolidado na Rio 92, Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro.

Na Conferência, foram colocados juntos os termos meio ambiente e desenvolvimento – consagrando o conceito de desenvolvimento sustentável, defendido, em 1987, pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Brundtland). Assegurar a sustentabilidade das atividades humanas é, acima de tudo, um desafio educacional.

Na perspectiva internacional, merece destaque a iniciativa da UNESCO que, na última década do século XX, reuniu educadores de todo o mundo para produzirem um documento que orientasse a educação no século XXI, visando à formação de cidadãos éticos, solidários e competentes. A Comissão Internacional da UNESCO sobre Educação para o século XXI recomendou os quatro pilares que caracterizam uma aprendizagem efetiva e significativa:

– Aprender a conhecer – enfatiza a importância do desenvolvimento da visão sistêmica nas pessoas, tendo em vista a complexidade do mundo real.

– Aprender a fazer – visa despertar a criatividade e desenvolver habilidades nas pessoas. Para assegurar a sustentabilidade das atividades humanas é essencial integrar o como fazer, que muitas vezes envolve a utilização de materiais e energias com elevado potencial de dano, ao como proteger as pessoas, as instalações, os equipamentos e o meio ambiente, segundo um enfoque essencialmente preventivo.

– Aprender a conviver – aborda o desenvolvimento de atitudes de cooperação, com base em uma política da igualdade que reconhece os deveres e os direitos humanos, fomentando uma cultura de interdependência, essencial para a promoção de uma cultura de paz e para a formação de equipes harmônicas, capazes de assegurar uma efetiva prevenção de danos nas organizações.

– Aprender a ser – preconiza como a grande contribuição da Educação, o desenvolvimento pleno da pessoa: mente, corpo, espiritualidade e responsabilidade pessoal, reforçando sua autoconfiança e auto-respeito, que constituem as bases internas para as ações externas voltadas para a sustentabilidade.

Como se pode observar na figura 1, os quatro pilares conectam-se. A aprendizagem resultante preparará as pessoas para pensarem com autonomia, serem capazes de elaborar seu próprio juízo de valor e tomarem decisões apropriadas nas mais diversas circunstâncias da vida, contribuindo efetivamente para a sustentabilidade em suas áreas de atuação e influência.

Por outro lado, na dimensão empresarial, a experiência da DuPont, empresa líder em gestão de SMS, mostra a nítida relação entre a evolução da Cultura de SMS e a redução de perdas nas organizações, conforme a figura 2.

No nível Reativo de Cultura de SMS, há falta de envolvimento dos gerentes com a gestão de SMS, a prevenção é precária e as perdas são elevadas. No nível Dependente, há um compromisso inicial dos gerentes e são implantados os procedimentos e o treinamento em SMS. No nível Independente, há maior conhecimento, compromisso com os padrões e valorização das pessoas, mas predomina uma atitude de cuidado consigo mesmo. No nível de Interdependência, o mais elevado, predomina o espírito de equipe, há preocupação com a conformidade dos demais e uma consciência de cuidado mútuo.

Na medida em que a cultura de SMS evolui do nível Reativo para Interdependente, a prevenção se fortalece, as perdas da organização diminuem, tendendo para zero, e a sustentabilidade se consolida.

Assim, com base nas diretrizes da UNESCO e na experiência internacional da DuPont, as organizações devem investir no desenvolvimento e na consolidação de uma Cultura Interdependente de SMS. Um dos caminhos para isso, que tem sido pouco explorado, é a integração da sustentabilidade no treinamento técnico empresarial. Nesse sentido, os coordenadores e professores dos cursos técnicos devem receber um treinamento em SMS e Sustentabilidade que incorpore as diretrizes da UNESCO e contribua, decisivamente, para a promoção de uma Cultura de Interdependência em SMS.

Esse treinamento deve capacitá-los a realizar análises preliminares dos perigos relacionados às atividades ou operações abordadas nos conteúdos dos cursos técnicos. Tais análises permitem a identificação dos materiais e energias utilizados, os possíveis danos imediatos e tardios às pessoas, instalações, equipamentos e meio ambiente, bem como as medidas preventivas e corretivas aplicáveis. Essas medidas dependerão dos perigos identificados: agentes físicos (ruído, radiações, calor), agentes químicos (gases, vapores, líquidos, poeiras e fumos), agentes biológicos (vírus, bactérias e fungos) e agentes ergonômicos (esforços posturais e trabalho em turnos).

Tais informações subsidiarão a especificação da legislação e das normas técnicas aplicáveis, bem como a indicação de bibliografia especializada relativa às medidas preventivas e corretivas indicadas. A legislação aplicável deve ser indicada, abrangendo itens da Constituição Federal, Legislação Ambiental, Resoluções do CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente), a Lei 8080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) e as Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, e as Instruções Normativas do Ministério da Previdência Social.

Devem ser mencionadas, entre outras, as normas técnicas de sistemas de gestão: ABNT NBR ISO 14001 – Sistema da Gestão Ambiental; ABNT NBR 18801 – Sistema de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho, que deverá ser substituída pela ISO 45001 Occupational health and safety management systems – Requirements; a ABNT NBR ISO 31000 –  Gestão de riscos – Princípios e diretrizes; e a ISO 26000 -Diretrizes de Responsabilidade Social, que valoriza o compromisso com a sustentabilidade e recomenda que as oportunidades e obrigações das empresas de comunicar, informar, treinar deverão utilizar estratégias pedagógicas da mais elevada eficácia e eficiência, lançando mão de tecnologias de ponta.

Como conclusão, recomenda-se que o treinamento técnico empresarial incorpore, em todos os eventos, as questões de SMS e Sustentabilidade relacionadas aos respectivos conteúdos, fundamente-se nos 4 Pilares de Educação propostos pela UNESCO e contribua para a consolidação de uma Cultura de Interdependência em SMS. Em consequência, os resultados econômicos das empresas serão melhores e o planeta, melhor para se viver.

Newton Richa – Médico do Trabalho
Representante da UFRJ na Comissão Nacional de Segurança Química – CONASQ/MMA

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